Final da Superliga Feminina nos mostrou muito mais do que o talento das nossas finalistas.
Mais uma final de Superliga Feminina e, com ela, o encerramento de uma temporada. Novas histórias de garra e superação, marcadas por nomes antigos que uma geração amante do vôlei conhece muito bem. Após 28 anos, uma final paulista aconteceu novamente! O Ginásio do Ibirapuera, berço do voleibol na cidade de São Paulo, recebeu duas equipes da região metropolitana: Osasco e Sesi-Bauru se enfrentaram, marcando o fim da hegemonia mineira nas finais da Liga Nacional, que se mantinha desde 2020.
No dia 1º de maio de 2025 — data em que se celebra o Dia Mundial do Trabalhador —, uma guerreira dentro e fora das quadras defendia as cores do Sesi-Bauru. A levantadora Dani Lins, de 40 anos, chegou a mais uma final. Só nesta temporada, foram três decisões à frente da equipe bauruense — todas contra o rival Osasco. É impossível não se emocionar com o choro dela após o apito final. Um choro que trazia superação, luta e esforço para estar ali. Em março deste ano, a veterana descobriu um nódulo na tireoide, o que causou grande preocupação para ela e para a equipe técnica do Sesi.
Contudo, a campeã olímpica não deixou a poeira baixar. Fez a cirurgia rapidamente — enquanto sua equipe disputava a fase mata-mata da Superliga. Com os pontos ainda marcando o quão recente havia sido o procedimento, ela entrou em quadra e garantiu a primeira vitória nas quartas de final diante do Fluminense, sendo peça fundamental e levando o prêmio de melhor da partida. Mal sabia que ali começava uma linda trajetória até a final da liga.
Na grande decisão da última quinta-feira (1), a levantadora não apresentou sua melhor performance — com muitos erros, não só dela, mas do conjunto do Sesi. O nervosismo aparente não foi suficiente para superar o Osasco, e as bauruenses acabaram derrotadas. Mas, particularmente, eu não a vejo como uma perdedora. Dani Lins levou o time de Bauru à sua primeira final de Superliga — um marco inédito e inesquecível para qualquer jogadora.
Dani é sinônimo de luta e determinação, prova de que, aos 40 anos, ainda há muito o que disputar. Seria incrível, para quem ama o voleibol como eu, vê-la novamente com as cores da nossa bandeira e, quem sabe, nos levando ao ouro no Mundial que se aproxima — título esse que já figura em sua prateleira recheada de conquistas. Não será dessa vez, mas, mesmo assim, ela continua derrubando barreiras no voleibol de clubes e provando que a idade é só um número e o cansaço é apenas parte do processo.
Do outro lado da quadra, a equipe vitoriosa também carrega histórias poderosas. O time de Osasco pode não ser o mais estrelado desta Superliga, mas certamente contou uma das trajetórias mais emocionantes. A volta de Natália para casa, a superação de Valquíria após ver os pais perderem tudo nas enchentes do início do ano passado, a obstinação de Camila Brait para se manter no topo mesmo em uma temporada abaixo, a evolução de Giovana e Callie formando um time digno de ser campeão. E, entre tantas histórias, talvez a que mais me emocione seja a de Tifanny Abreu — a primeira mulher trans a ser campeã da Superliga de Voleibol Feminino.
Tifanny nunca se destacou apenas por suas habilidades como ponteira-oposta, mas se tornou alvo de uma parcela desinformada de não espectadores que tentam vender a narrativa de que ela está “roubando o lugar de mulheres de verdade” ao integrar o time de Osasco. Quer saber? Tifanny é uma mulher de verdade. Não apenas porque todos os seus exames mostram níveis hormonais dentro dos parâmetros exigidos para uma atleta de alto rendimento, mas porque sua resiliência ao longo dos anos jogando no Brasil só poderia vir de uma mulher.
No returno da temporada 23/24, antes de um jogo contra o Sesc Flamengo — maior rival do Osasco —, a oposta sofreu um ataque transfóbico nos comentários de um post da equipe carioca, endossado pela curtida do administrador da página. O público se revoltou, a própria jogadora se manifestou e, no fim, pouco foi feito. O administrador aparentemente foi afastado, mas nada foi confirmado. A questão é que, naquele jogo, Tifanny entrou em quadra para mostrar que, além de uma grande mulher, é uma grande jogadora. Focada, ajudou sua equipe a virar um 2x0 em um 3x2 para as paulistas.
Ao contrário do que dizem as más línguas, o que torna Tifanny uma das atletas mais incríveis da nossa Superliga não são seus músculos, hormônios ou composição óssea, mas sim o seu coração. Foi seu coração gigantesco — que entende a importância de estar onde está — que a impediu de ceder aos preconceitos. Pior do que sofrer ataques é não ocupar os espaços para enfrentá-los. A oposta pode não ter recebido prêmios individuais da confederação que organiza a competição, mas ganhou todos os sorrisos e lágrimas de milhares de jovens LGBTQIA+ que, ao vê-la na televisão praticando seu bom voleibol, entendem que o lugar deles é onde quiserem — inclusive decidindo finais com pontos inacreditáveis.
O lugar de Dani Lins e Tifanny Abreu, além das mais altas prateleiras do esporte brasileiro, é dentro do peito de cada um de nós. Essas duas mulheres, de maneiras muito particulares, mostram que o mais importante é o que queremos fazer — e não o que os outros acham que conseguimos. Parabéns à Tifanny pelo troféu. Parabéns à Dani pela luta. Que o futuro do esporte seja recheado de Danis e Tifannys, mantendo nossas esperanças cada vez mais fortes. Que suas primeiras vezes representem as primeiras de muitas finais para o Bauru, e a primeira de muitas mulheres trans com o ouro balançando em seus pescoços.
Texto por: Ana Luiza Morais e Luiza Corrêa
Edição: Lucas Guedes
Revisão: Victor Souza