Um adeus ao homem, muito mais do que à figura.
Se tu tens mais de 20 anos, é muito possível que te lembres onde estava quando o conclave de março de 2013 chegou ao fim e Jorge Mario Bergoglio foi anunciado como Papa Francisco I, o 266º pontífice. Eu estava na cozinha da casa do meu avô paterno acompanhando pelo rádio todas as notícias que vinham direto do Vaticano. Seu Cau, meu avô, é o homem mais apaixonado por futebol que eu conheço, então é óbvio que o primeiro comentário que eu ouvi sobre a escolha de um Papa argentino foi que agora o San Lorenzo tinha mais Papas do que Copas Libertadores da América. A piada teve um prazo de validade bem curto, mas ainda assim, fez com que eu visse aquela figura tão santificada de uma maneira muito mais humana. Acho que o futebol, inclusive, me faz ver o meu próprio avô de uma forma mais humana.
Em 19 de março de 2013, Bergoglio assumiu para o mundo o seu local como maior figura da Igreja Católica e mostrou ao mundo que estava lá para fazer mudanças. Tudo era diferente nele. Desde a maneira como ele se portava - abdicando dos luxos que sua posição o concedia - até seus posicionamentos a favor da visibilidade das mulheres dentro e fora da igreja e o pedido para que casais homossexuais recebessem a bênção de padres ao redor do mundo. Aquele era um homem como nós apenas levando as palavras da sua crença para o mundo. A própria escolha de onde e como fazer o seu velório o coloca cada vez mais do lado das mulheres e dos marginalizados. Ao se deitar para o sono eterno aos pés de Maria, na Basílica de Santa Maria Maggiore, ele carrega em si tudo que o fez especial. Por meio de sermões, piadas e súplicas para que as armas não fossem mais fortes do que a fé, Francisco foi a imagem mais relacionável a ocupar a posição de Papa em todos esses anos.
Eu, pessoalmente, nunca fui uma pessoa muito religiosa. Me aventurei por casas, centros e igrejas e nunca achei um local que pudesse ser o templo que me atraísse espiritualmente e por completo. Então, como posso eu, uma pessoa sem rótulos religiosos, me sentir conectada à maior figura católica que existe no mundo? Eu também não achava ser possível, mas cá estou eu, comovida com a morte desta figura de uma maneira que eu nunca imaginei que estaria. Rolando o feed das minhas redes sociais e pesquisando sobre este homem, eu entendi que uma crença nos ligava profundamente. Como li em um post no X, venho aqui te indagar: tu já parou para pensar que existiu um Papa que se importava tanto com a Libertadores quanto nós?
O pontífice é - e sempre vai ser - o torcedor mais ilustre do Club Atlético San Lorenzo de Almagro, ou apenas San Lorenzo. Sua conexão com o time vem desde muito antes de Bergoglio se tornar Francisco. Seu amor pelas cores andou de mãos dadas com sua entrega à religião. Como poderia torcer para outro se o San Lorenzo é um clube fundado por padres? Como ir ao estádio com o manto do time se sua batina, na época de bispo e depois de cardeal, demonstrava muito mais o verdadeiro significado de torcer para o Corvo?
Francisco era um de nós até na hora de abdicar do seu amor. Em 1990, o pontífice prometeu que não assistiria mais aos jogos do San Lorenzo pela televisão como uma maneira de dar algo em troca da saúde de uma menininha que estava doente. Claro que ele ainda visitava El Nuevo Gasómetro - em breve, Estádio Papa Francisco - e acompanhava pelo rádio. Contudo, depois de se tornar Papa, precisava recorrer à Guarda Suíça, guarda que protege Sua Santidade, para saber os resultados dos jogos.
Em 2014, um ano depois de Francisco ter assumido como Papa, o San Lorenzo deu para ele o maior presente mundano que poderia receber em um momento tão celestial. Os Corvos conquistaram sua primeira e única Libertadores da América. Em casa, diante de sua torcida, o San Lorenzo venceu o jogo de volta por um a zero em cima do Nacional - deixando o placar agregado 2x1 para os argentinos. Agora, 11 anos depois, a euforia da busca pela glória eterna dá lugar ao minuto de silêncio em homenagem ao pontífice no início dos jogos da Libertadores e da Sul-Americana. Essa relação tão próxima de Francisco com o San Lorenzo me faz entender porque nós, amantes de futebol, nos sentíamos tão próximos de Sua Santidade.
Uma das músicas cantada pela torcida do Internacional, time para o qual eu torço, descreve o sentimento de torcer como uma religião. Outra, pede a bandeira do Inter no caixão de quem canta. Talvez, por isso, Seu Cau tenha pensado tão rapidamente em ligar o anúncio do novo Papa com uma anedota sobre futebol. Talvez, por isso, eu tenha sentido a necessidade de expressar através de um texto minha admiração pelo Papa Francisco I mas, principalmente, pelo torcedor Jorge Mario Bergoglio, o sócio número 88235 do San Lorenzo.
Como dito anteriormente, não sou religiosa, porém, peço a tudo que existe de mais sagrado que leve a alma de Bergoglio até o local mais alto do céu e que lá ele seja cuidado como tentou cuidar de todos os seus fieis - e de todos que precisavam ser cuidados. Espero que ele possa, de lá, ver suas mudanças mantidas e melhoradas, ao mesmo tempo que acompanha o Corvo e suas homenagens a ele.
Então, Jorge, vá com o teu Deus e descanse como merece. Entenda que alcançou, em vida, a admiração de pessoas que talvez nunca olharam a um Papa como olham para ti como homem. Saiba que tuas palavras podem não ter curado o mundo, mas acolheram os milhões que precisavam delas. Teu legado residirá, para nós amantes de futebol, em cada canto dentro do Nuevo Gasómetro, bem como nas cores do San Lorenzo. Em cada terço apertado em um momento difícil e em cada prece que pede por una cosa que nunca van a entender, mas que nós entendemos. Aproveite a glória eterna, pois ela é tua.
Adeus, Francisco! Dale, dale, San Lore!
Texto por: Luiza Corrêa
Revisa: Camilly Rodrigues