Um dia desses, li numa rede social que o Brasil carece de ídolos no esporte. O autor do post debatia que depois de Ayrton Senna e Ronaldo Fenômeno, não veio mais ninguém. Argumentava que os citados foram os últimos de uma safra que nunca mais se renovará, decretando assim a morte do esporte brasileiro. A morte da garra, da vontade e da raça que só nós conhecemos e sabemos reproduzir.
Segundo ele, a situação da Seleção Brasileira de Futebol Masculino define a situação desportiva completa do nosso país. Ignorando as medalhas inéditas que vimos brilharem no peito de atletas brasileiros nas Olimpíadas. Ignorando os feitos que nunca antes havíamos conquistado e que conquistamos esse ano, há alguns meses. Ignorando todo e qualquer crescimento que o esporte apresentou - e tem apresentado - nos últimos tempos. Ignorando o efeito que grandes atletas despertam em uma grande torcida.
Meses atrás, o Brasil parou para assistir Rebeca Andrade e a Equipe de Ginástica Feminina conquistarem o bronze inédito e depois parou de novo para assistir esta mesma Rebeca ser coroada com a maior honraria que um atleta poderia sonhar. Nesse mesmo julho, nós sofremos todos juntos o golpe que foi perder a vaga na final do vôlei feminino para a equipe dos Estados Unidos.
Nós dividimos a tela para assistir Rayssa Leal ser mais uma vez uma fada medalhada enquanto a goleira Lorena dava o seu máximo contra o Japão. Marcamos no relógio a hora de ver Ana Sátila descer. Rolamos na areia dourada de Duda e Ana Patrícia. Perdemos o fôlego com a velocidade de Piu e Gabrielzinho. Sofremos por Cachorrão e Bia Ferreira. Celebramos com Beatriz Souza e Rayane Soares.
Vibramos e choramos com Gabi Moreschi, Bruna Alexandre, Hugo Calderano, Wilians Araújo, Bruna Takahashi, Jerusa Geber, Japinha, Mariana D'andrea e tantos outros - medalhados ou não - que mal cabem em um texto só. Você pode me argumentar que nenhum destes nomes, mesmo com tantas conquistas, merece o título de ídolo, pois não movem torcidas e não inspiram músicas. Eu diria que você está errado, mas ao invés disso, te direi um nome: Beatriz Haddad Maia.
Em uma sexta-feira de novembro, Bia Haddad entrou no Ginásio do Ibirapuera para defender o Brasil contra a arquirrival Argentina em mais uma Billie Jean King Cup. A tenista empunhou a sua raquete, vestiu sua viseira e deixou seus tênis marcarem o saibro para dar início a mais um jogo. E assim, como se não fosse nada, mudou a minha vida.
A partida não começou fácil, afinal, Jasmin Ortenzi não é uma oponente fácil. A argentina fechou o primeiro set com uma vantagem de 6 games a 3 em cima da brasileira. No segundo set, Bia ensaiou uma reação, contudo algo parecia estar desconcentrando ela. Erros bobos, bolas fora e reações agressivas marcaram uma ofensiva argentina de 4 games a zero e, futuramente, 5 games a um. Mais um game e o jogo acabava. Mais um game e choraríamos a vitória da coirmã.
Beatriz estava baqueada com a situação. Quem não estaria? Ela estava em casa, em um dos maiores ginásios do país, jogando no saibro. Não era possível que ela estivesse perdendo. Com o coração na boca, o Ibirapuera assistiu Bia errar mais uma bola e se dirigir ao lado da quadra sem ver o ponto acabar. A atleta estava tensa e esbravejando em insatisfação e secou o rosto com raiva. Todos estávamos com raiva.
Então, numa alegoria boa demais para passar despercebida, Bia tirou a viseira e pôde ver a torcida plenamente. À sua direita, crianças trajadas como jogadores de tênis pediam força. À sua esquerda, mais crianças com roupas verde e amarelas cantavam seu nome. Finalmente podíamos ver seus olhos. A partir daquele momento, Beatriz não estava mais em um jogo individual. Todas as pessoas dentro daquele ginásio estavam jogando ao seu lado.
O público foi grande protagonista na virada que transformou um 5x1 em um 5x7. Toda vez que Ortenzi se preparava para sacar, vaias ecoavam pelo salão. Quando Bia pontuava e comemorava com seu típico saquinho no ar, seu nome completava melodias típicas de torcida e as crianças imitavam o gesto. Sua voz se tornou mais potente à medida que nossas vozes também se potencializaram.
Bia não só virou o set, como também virou o jogo. 6 games a 2 que passaram rápido e confiantes, sendo embalados por gritos de incentivo.
Beatriz Haddad Maia pode não ser campeã de um Grand Slam. Pode também não ser campeã olímpica. Na minha opinião, ela não atingiu nem a metade das glórias que a aguardam em sua carreira. Mesmo assim, Beatriz Haddad Maia faz dentro de quadra o que o brasileiro é conhecido por fazer fora. Ela luta, grita, sofre e se desgasta até a última gota de suor para conseguir a virada. Então ela canta, celebra e comemora com um gesto que ecoará pela história do esporte brasileiro.
Você pode argumentar que a atleta ainda é um mero ídolo em construção. Tudo bem, você pode ter a sua opinião. Independente de conquistas burocráticas, uma coisa segue sendo verdade.
Beatriz Haddad Maia é a cara do Brasil!
Por: Luiza Corrêa